quinta-feira, 26 de junho de 2014

Instrumentum Laboris do Sínodo para a Família é publicado

O site do Vaticano já disponibilizou o texto que será a base dos trabalhos para o próximo Sínodo dos Bispos, a realizar-se em outubro próximo. O texto é uma reflexão dos membros desse dicastério com base nas informações remetidas pelos bispos diocesanos através de um questionário.

A grande questão do sínodo - a recepção dos sacramentos pelos divorciados recasados - aparece no texto de forma light. Abaixo reproduzimos os parágrafos específicos sobre este assunto, o texto integral pode ser lido no site do Vaticano:


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Separados, divorciados e divorciados recasados

86. Das respostas resulta que a realidade de separados, divorciados e divorciados recasados é relevante tanto na Europa como em toda a América; muito menos em África e na Ásia. Considerando o fenómeno crescente destas situações, muitos pais estão preocupados com o futuro dos seus filhos. Além disso, observa-se que o número crescente de conviventes torna o problema dos divórcios menos relevante: gradualmente, as pessoas divorciam-se menos, porque na realidade tendem a casar-se cada vez menos. Em determinados contextos, a situação é diferente: não há divórcio porque não há matrimónio civil (nos países árabes e nalguns países da Ásia).

Os filhos e quantos permanecem sozinhos

87. Outra questão levantada diz respeito aos filhos dos separados e dos divorciados. Observa-se que da parte da sociedade falta uma atenção no que se lhes refere. Sobre eles incumbe o peso dos conflitos matrimoniais, dos quais a Igreja está chamada a ocupar-se. Também os pais dos divorciados, que sofrem as consequências da ruptura do matrimónio e muitas vezes devem responder às dificuldades da situação destes filhos, têm de ser sustentados por parte da Igreja. Acerca dos divorciados e dos separados que permanecem fiéis ao vínculo matrimonial, pede-se ainda atenção pela sua situação que muitas vezes é vivida na solidão e na pobreza. Resulta que também eles são os “novos pobres”.

As mães solteiras

88. É necessário prestar uma atenção particular às mães que não têm marido e que cuidam dos filhos sozinhas. A sua condição é frequentemente o resultado de histórias muito dolorosas, não raro de abandono. É preciso admirar sobretudo o amor e a coragem com que acolheram a vida concebida no seu ventre e com que se ocupam do crescimento e da educação dos seus filhos. Da parte da sociedade civil elas merecem uma ajuda especial, que tenha em consideração os numerosos sacrifícios que enfrentam. Além disso, a comunidade cristã deve prestar-lhes uma solicitude que as leve a sentir a Igreja como uma verdadeira família dos filhos de Deus.

Situações de irregularidade canónica

89. Em linha geral, em várias áreas geográficas, as respostas concentram-se principalmente sobre os divorciados recasados, ou contudo em nova união. Entre aqueles que vivem em situação canonicamente irregular, subsistem diversas atitudes, que vão da falta de consciência da própria situação à indiferença, ou então a um sofrimento consciente. As atitudes dos divorciados em nova união são bastante semelhantes nos diversos contextos regionais, com um relevo particular na Europa e na América, e menor em África. A este propósito, algumas respostas atribuem esta situação à formação carente ou à escassa prática religiosa. Na América do Norte, as pessoas pensam muitas vezes que a Igreja não é mais uma guia moral fiável, acima de tudo no que se refere às questões da família, considerada matéria particular sobre a qual se deve decidir autonomamente.

90. Bastante consistente é o número daqueles que consideram com menosprezo a própria situação irregular. Neste caso, não há qualquer pedido de admissão à comunhão eucarística, nem de poder celebrar o sacramento da reconciliação. A consciência da situação irregular manifesta-se muitas vezes quando intervém o desejo da iniciação cristã para os filhos, ou se sobrevém o pedido de participação numa celebração de baptismo ou crisma como padrinho ou madrinha. Às vezes pessoas adultas que chegam a uma fé pessoal e consciente, no caminho catequético ou quase catecumenal, descobrem o problema da sua irregularidade. Sob o ponto de vista pastoral, estas situações são consideradas uma boa oportunidade para começar um itinerário de regularização, principalmente nos casos das convivências. Uma situação diferente é indicada em África, não tanto em relação aos divorciados em nova união, mas em relação à prática da poligamia. Existem casos de convertidos para os quais é difícil abandonar a segunda ou terceira esposa, com as quais já têm filhos, e que desejam participar na vida eclesial.

91. Antes de abordar a questão do sofrimento ligado à impossibilidade de receber os sacramentos por parte daqueles que se encontram em situação de irregularidade, é indicado um sofrimento mais originário, do qual a Igreja deve ocupar-se, ou seja, o sofrimento vinculado à falência do matrimónio e à dificuldade de regularizar a situação. Nesta crise alguns relevam o desejo de se dirigir à Igreja para obter ajuda. O sofrimento parece muitas vezes ligado aos vários níveis de formação – como indicam diversas Conferências Episcopais na Europa, África e América. Frequentemente não se entende a relação intrínseca entre matrimónio, Eucaristia e penitência; portanto, é muito difícil compreender por que motivo a Igreja não admite à comunhão aqueles que se encontram numa condição irregular. Os percursos catequéticos sobre o matrimónio não explicam suficientemente este vínculo. Nalgumas respostas (América, Europa do Leste e Ásia), evidencia-se como por vezes se julga, erroneamente, que o divórcio como tal, mesmo que não se viva em nova união, torna automaticamente impossível aceder à comunhão. Deste modo permanece-se, sem motivo algum, desprovido dos sacramentos.

92. O sofrimento causado pela não-recepção dos sacramentos está claramente presente nos baptizados que estão conscientes da própria situação. Muitos sentem-se frustrados e marginalizados. Alguns perguntam-se por que motivo outros pecados são perdoados e este não; ou então, por que os religiosos e os sacerdotes que receberam a dispensa dos seus votos e dos ónus presbiterais podem celebrar o matrimónio, receber a comunhão, e os divorciados recasados não. Tudo isto põe em evidência a necessidade de uma formação e informação oportunas. Noutros casos, não se compreende como a própria situação irregular é o motivo para não poder receber os sacramentos; ao contrário, considera-se que a culpa é da Igreja, que não admite tais circunstâncias. Nisto, indica-se também o risco de uma mentalidade reivindicativa em relação aos sacramentos. Além disso, é muito preocupante a incompreensão da disciplina da Igreja, quando nega o acesso aos sacramentos em tais casos, como se se tratasse de uma punição. Um grande número de Conferências Episcopais sugere que se ajudem as pessoas em situação canonicamente irregular a não se considerarem “separados da Igreja, podendo, e melhor devendo, enquanto baptizados, participar na sua vida” (FC 84). Além disso, há respostas e observações, da parte de algumas Conferências Episcopais, que salientam a necessidade de que a Igreja se dote de instrumentos pastorais mediante os quais abrir a possibilidade de exercer uma misericórdia, clemência e indulgência mais amplas em relação às novas uniões.

Sobre o acesso aos sacramentos

93. A respeito do acesso aos sacramentos, evidenciam-se reacções diferenciadas por parte dos fiéis divorciados recasados. Na Europa (mas também nalguns países da América Latina e da Ásia), prevalece a tendência a resolver a questão através de alguns sacerdotes que aceitem o pedido de acesso aos sacramentos. A este propósito, indica-se (em particular na Europa e na América Latina) um modo diferente de responder por parte dos pastores. Por vezes, estes fiéis afastam-se da Igreja ou passam para outras confissões cristãs. Em vários países, não apenas europeus, para muitas pessoas esta solução individual não é suficiente, enquanto elas aspiram a uma readmissão pública aos sacramentos por parte da Igreja. O problema não consiste tanto em não poder receber a comunhão, mas no facto de que a Igreja não os admite publicamente à comunhão, de forma que parece que estes fiéis simplesmente rejeitam ser considerados em situação irregular.

94. Nas comunidades eclesiais estão presentes pessoas que, encontrando-se em situação canonicamente irregular, pedem para ser recebidas e acompanhadas na sua condição. Isto acontece especialmente quando se procura tornar razoável o ensinamento da Igreja. Em circunstâncias semelhantes é possível que tais fiéis vivam a sua condição sustentados pela misericórdia de Deus, da qual a Igreja se faz instrumento. Outros ainda, como é indicado por algumas Conferências Episcopais da área euro-atlântica, aceitam o compromisso de viver em continência (cf. FC 84).

95. Muitas das respostas recebidas indicam que em numerosos casos se encontra um pedido claro para poder receber os sacramentos da Eucaristia e da Penitência, de modo especial na Europa, na América e nalguns países da África. O pedido torna-se mais insistente sobretudo por ocasião da celebração dos sacramentos por parte dos filhos. Às vezes deseja-se a admissão à comunhão como que para ser “legitimados” pela Igreja, eliminando o sentido de exclusão ou de marginalização. A respeito disto, alguns sugerem que se considere a prática de determinadas Igrejas ortodoxas que, na sua opinião, abre o caminho para um segundo ou terceiro matrimónio, com carácter penitencial; a este propósito, dos países de maioria ortodoxa indica-se que a experiência de tais soluções não impede o aumento dos divórcios. Outros pedem para esclarecer se a questão é de índole doutrinal ou apenas disciplinar.

Outros pedidos

96. Em muitos casos, indicados de modo particular na Europa e na América do Norte, pede-se para facilitar o procedimento em vista da nulidade matrimonial; a este propósito, indica-se a necessidade de aprofundar a questão da relação entre fé e sacramento do matrimónio – como foi sugerido diversas vezes por Bento XVI. Nos países de maioria ortodoxa indica-se o caso de católicos que voltam a casar na Igreja ortodoxa, segundo a prática nela em vigor, e depois pedem para se aproximar da comunhão na Igreja católica. Finalmente, outros instâncias apresentam o pedido de especificar a prática que devem seguir nos casos de matrimónios mistos, nos quais o cônjuge ortodoxo já foi casado e obteve da Igreja ortodoxa a autorização para as segundas núpcias.

Sobre os separados e os divorciados

97. Em várias respostas e observações põe-se em evidência a necessidade de prestar mais atenção aos separados e aos divorciados não recasados, fiéis ao vínculo nupcial. Parece que eles muitas vezes devem acrescentar ao sofrimento da falência matrimonial a dor de não serem considerados convenientemente pela Igreja e, portanto, de serem descuidados. Observa-se que também eles enfrentam as suas dificuldades e a necessidade de serem acompanhados pastoralmente. Além disso, faz-se presente a importância de verificar a eventual nulidade matrimonial, com atenção particular por parte dos pastores, com a finalidade de não introduzir causas sem um discernimento atento. Neste contexto encontram-se pedidos para promover em maior medida uma pastoral da reconciliação, que assuma as possibilidades de reunir os cônjuges separados. Alguns farão observar que a aceitação corajosa da condição de separados que permaneceram fiéis ao vínculo, marcada por sofrimento e solidão, constitui um grande testemunho cristão.

Simplificação das causas matrimoniais

98. Existe um amplo pedido de simplificação da prática canónica das causas matrimoniais. As posições são diversificadas: algumas afirmam que a simplificação não seria um remédio válido; outras, a favor da simplificação, convidam a explicar bem a natureza do processo de declaração de nulidade, para uma melhor compreensão do mesmo por parte dos fiéis.

99. Alguns convidam à prudência, indicando o risco que mediante tal simplificação, e facilitando ou reduzindo os passos previstos, se produzam injustiças e erros; se dê a impressão de não respeitar a indissolubilidade do sacramento; se favoreça o abuso e se impeça a formação dos jovens para o matrimónio como compromisso para a vida inteira; se alimente a ideia de um “divórcio católico”. Propõem, ao contrário, que se prepare um número adequado de pessoas qualificadas para seguir os casos; e, na América Latina, África e Ásia, apresenta-se o pedido para incrementar o número de tribunais – ausentes em muitas regiões – e para conceder maior autoridade às instâncias locais, formando melhor os sacerdotes. Outras respostas relativizam a relevância de tal possibilidade de simplificação, enquanto muitas vezes os fiéis aceitam a validade do seu matrimónio, reconhecendo que se trata de uma falência e não consideram honesto pedir a declaração de nulidade. Contudo, muitos fiéis consideram válido o seu primeiro matrimónio, porque não conhecem os motivos de invalidade. Às vezes, por parte daqueles que divorciaram, sobressai a dificuldade de rever o passado, que poderia reabrir feridas dolorosas pessoais e para o cônjuge.

100. Muitos apresentam pedidos relativos à simplificação: processo canónico facilitado e mais rápido; concessão de maior autoridade ao bispo local; maior acesso de leigos como juízes; e redução do custo económico do processo. Em particular, alguns propõem que se volte a considerar se é verdadeiramente necessária a dupla sentença conforme, pelo menos quando não há pedido de apelo, obrigando contudo o defensor do vínculo ao apelo em determinados casos. Propõe-se também que se descentralize a terceira instância. Em todas as áreas geográficas, pede-se um delineamento mais pastoral nos tribunais eclesiásticos, com maior atenção espiritual em relação às pessoas.

101. Nas respostas e nas observações, tendo em consideração a vastidão do problema pastoral das falências matrimoniais, pergunta-se se é possível fazer face ao mesmo unicamente por via processual judicial. Apresenta-se a proposta de empreender um percurso administrativo. Nalguns casos propõe-se que se proceda a uma verificação da consciência das pessoas interessadas na averiguação da nulidade do vínculo. A questão é se existem outros instrumentos pastorais para verificar a validade do matrimónio, por parte de presbíteros para isto deputados. Em geral, solicita-se uma maior formação específica dos agentes pastorais neste campo, de modo que os fiéis possam ser oportunamente ajudados.

102. Uma formação mais adequada dos fiéis em relação aos processos de nulidade ajudaria, em determinados casos, a eliminar dificuldades, como por exemplo a de pais que receiam que um matrimónio nulo torne ilegítimos os filhos – indicada por algumas Conferências Episcopais africanas. Em muitas respostas insiste-se sobre o facto de que simplificar o processo canónico só é útil se se enfrentar a pastoral familiar de modo integral. Da parte de algumas Conferências Episcopais asiáticas assinala-se o caso de matrimónios com não-cristãos, que não desejam cooperar para o processo canónico.

A atenção às situações difíceis

103. A caridade pastoral impele a Igreja a acompanhar as pessoas que passaram por uma falência matrimonial e a ajudá-las a viver a sua situação com a graça de Cristo. Uma ferida mais dolorosa abre-se para as pessoas que voltam a casar-se, entrando numa condição de vida que não lhes permite o acesso à comunhão. Sem dúvida, nestes casos a Igreja não deve assumir a atitude de juiz que condena (cf. Papa Francisco, Homilia, 28 de Fevereiro de 2014), mas a de uma mãe que acolhe sempre os seus filhos e cuida das suas feridas em vista da cura (cf. EG 139-141). Com grande misericórdia, a Igreja é chamada a encontrar formas de “companhia” com as quais apoiar estes seus filhos num percurso de reconciliação. Com compreensão e paciência, é importante explicar que a impossibilidade de aceder aos sacramentos não significa ser excluídos da vida cristã e da relação com Deus.

104. Em relação a estas situações complexas, da parte de muitas respostas, salienta-se a falta de um serviço de assistência específica para estas pessoas nas dioceses. Muitas conferências episcopais recordam a importância de oferecer a estes fiéis uma participação concreta na vida da Igreja, através de grupos de oração, de momentos litúrgicos e de actividades caritativas. Além disso, indicam-se algumas iniciativas pastorais, como por exemplo uma bênção pessoal para quem não pode receber a eucaristia, ou o encorajamento da participação dos filhos na vida paroquial. Realça-se o papel dos movimentos de espiritualidade conjugal, das ordens religiosas e das comissões paroquiais para a família. É significativa a recomendação da prece pelas situações difíceis, no âmbito das liturgias paroquiais e diocesanas na oração universal.

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