quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Sempre no gueto

Como noticiado pelo Kreuz.net (via Fratres in Unum), o jornaleco do Vaticano (sim, isso mesmo, jornalece e sem aspas, porque foi isso que se tornou o periódico da Santa Sé) Osservatore Romano publicou um ataque direto à Comissão Pontifícia Ecclesia Dei e também às comunidades que estão sob a tutela da mesma comissão.

"O referido artigo aborda questões canônicas. Nesse contexto, Di Cicco chega a falar de uma suposta “situação estranha de algumas novas ordens religiosas” que dependem da “instituição peculiar” chamada ‘Ecclesia Dei’. 

Di Cicco, redator chefe do Osservatore e autor do artigo, não deixa de ter razão. Embora a análise de Di Cicco seja uma forma de ataque direto, ela nos leva a questionar o lugar ocupado pela Ecclesia Dei e suas comunidades.

Uma das preocupações do "Orbe Tradicional" nos últimos dias é a tal da Instrução sobre o Motu Proprio Summorum Pontificum. Os defensores do Motu alegam, através de informações internacionais até agora não confirmadas, que a instrução seria uma manobra terrorista contra o documento papal e que faria o ponteiro do relógio litúrgico romano estacionar novamente em 1989, época onde a mentalidade do "indulto" reinava. Temem ainda que a forma extraordinária da liturgia romana se torne uma opção reservada à espiritualidade dos ditos tradicionalistas, como um carisma particular. Desse modo, segundo as especulações internacionais, o documento esvaziaria o Motu Proprio e tornaria a missa extraordinária não como uma forma legítima a que todos os católicos devem ter acesso, mas como uma concessão (indulto) para satisfazer os tradicionalistas.

Por que os católicos tradicionalistas querem evitar esse gueto espiritual se eles já se encontram nele? Mesmo com o Motu Proprio a missa tradicional nunca deixou de ser marginalizada. 

Tudo o que se refere à forma extraordinária encontra uma organização extraordinária, há sempre um parênteses - seja na lei ou no modus operandi das dioceses - nesse caso. Explico.

1. Sendo a forma extraordinária parte do rito romano, por que ela é competência da Ecclesia Dei e não da Congregação para o Culto Divino? Exceção...

2. Se as comunidades religiosas que aderem ao rito antigo são de direito pontifício ou reconhecidas  por Roma de alguma outra forma, por que elas estão sob a tutela da Ecclesia Dei e não da Congregação para os Religiosos (como reconhece Di Cicco)?

3. Se a Ecclesia Dei é uma comissão (um nível menor de poder dentro da Cúria), por que ela lida com temas que são reservados aos dicastérios com poder de Congregação?

4. Qual é a finalidade exata da Ecclesia Dei dentro da Cúria? Conversar com a FSSPX? As conversas, como disse Mons. Fellay, estão chegando ao fim e depois o que acontecerá com a Comissão?

5. Se todos os católicos podem ter acesso à forma extraordinária, por que elas são colocadas sempre nas cidades periféricas das dioceses (normalmente) e marginalizadas com horários péssimos?

São incoerências que só revelam que quando se trata de liturgia tradicional há sim um enorme gueto, há muito criado, onde os fiéis e sacerdotes estão. O que essa instrução fará, se for como dizem, é tornar esse gueto visível. É como um elefante na sala, a instrução apenas dirá: olhem, ali tem um elefante!

Não concordo que devemos rezar para que a instrução preserve o Motu Proprio. Ela deve realmente modificá-lo. Ela deve remover o elefante da sala, abrir os portões do gueto. Se ela preservar o que aqui está, então de nada servirá.

A instrução deveria dizer que a forma extraordinária é um DIREITO de todo católico e que deve ser ensinada nos seminários. Deveria instruir os bispos que o melhor local para uma celebração dessa forma é a catedral, o coração da diocese e não a cidadezinha com a capelinha rural onde o vento faz a curva. Deveria deixar claro que para assistir à missa na forma extraordinária são necessários os mesmos pré-requisitos para a forma ordinária. Deveria orientar os bispos sobre o cuidado espiritual dos fiéis ligados ao rito antigo. Etc.

Summorum Pontificum tem dois méritos. (1) a missa tridentina nunca foi abolida e (2) qualquer padre pode reza-la sem autorizações episcopais. Mas não resolveu boa parte dos problemas e não eliminou a mentalidade do motu Ecclesia Dei. Onde, no Brasil, se conseguiu a missa diretamente com o Padre, sem a ingerência do bispo (para o bem ou para o mal)? Poucos lugares. Isso prova que a mentalidade do "pedir para o bispos" ainda é reinante.

Rezemos para uma boa instrução, realmente útil e que comece a dissolver um pouco essas contradições existentes no mundo tradicional.

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